quarta-feira, 7 de junho de 2017

Instantâneos de uma Festa de Santo Antônio em Alenquer – 1933

Dia 13 de junho. 06 horas da manhã...
Dia claro, apitos de lancha, hurras, alegria geral, foguetes fendendo os ares, estouros de bombas, preparos de desembarque, azafama, neurose feminina, troca de cumprimentos, apresentações de parte a parte e, o Euterpe surge com a Felicidade de sempre a prender o coração da elite de Alenquer...
Arrumações, agasalho da tropa santarena, animação, disputas de convidados, gentilezas, convites para cá, convites para lá e, finalmente, ninguém sabia a quem atender...


Hora da Missa...
Troca de roupas, confusão, e um dizia com que roupa, outro virava par ali, outro mexia para acolá, abre malas, fecha malas, e lá foi enfim a tropa procurar na Igreja, na hora da missa, os seus encantos, as suas prediletas, que naquele momento faziam as suas preces em louvor do santo patrono das moças casamenteiras...

Dez horas...
Pleno dia, sol quente, lá vem a “Africana”, quem vem? É fulano, é sicrano, e nessa ânsia disse umazinha contristada: “Ah! Seu Pedro Mota não veio, ingrato!”
Nisto salta para a terra um pelotão comandado pelo paizinho Vicente Malheiros, que imediatamente deu voz de ordinário... marcha, rumo à Igreja. Alinhados, seguiram os seus comandados entoando o “O Mineiro Pau” com grande sucesso...

Onze horas...
Aperitivos, danças, toques de piano desafinado, primeiros olhares fulminantes, conquistas, flertes, e o Izoca começa com o seu joguinho de “Urubu Malandro”... daquele jeito. Entra o Vavá com a sua loira e fica Vavá-Doca... Sai o Desidério com a Homem, fica sério e vai Analizando... Aparece o Zé Serruya com uma pequena e Cota, Cotiza e Cotizando passa o Diquinho que fica na boca... Vem o Carlos com a Miss Alenquer e fala inglês por acenos... Passa o Marcílio com Sangue Azul e como quem pisa ovos não dá confiança... Surge o Tonico entusiasmado e passa o arco com toda a maestria... Finalmente chega o Joaquim desfolhando uma Margarida, linda como os amores, e o Pedro fica arreliado com o Roffé por causa da mesma flor... Duelo Joaquim, Pedro e Roffé, por causa da cuja...

Meio dia...
Sol com zênite... Aniversário da Joana... Toca para lá... Doces, bebidas, amabilidades, gentilezas, parabéns, felicitações, estas coisas de quem faz anos dia de Santo Antônio... E a essa altura é que entra o maestro Zé Agostinho beijando o velho José Hage e manda rasgar um “Pão com Linguiça” que era um verdadeiro cachorro quente. Tira dama... Afobação... Cada um quer a melhor... Não sei o que... Trolóló pão duro... Animação. Levanta-se então o Augusto Lopes, meio absolutamente e vai tirar uma pequena que trajava de encarnado e véu... Ela, entusiasmada pela delicadeza do poeta, levanta-se e sai aos pulinhos, mas não acerta o passo... O Lopes, aperriado, com dor nos calos, para, e com a mesma delicadeza diz-lhe: “Calma, senhorita! Vamos no compasso da cidade...”.

Uma hora da tarde...
Calor sufocante, almoço em diversas casas onde foi hospedada a tropa, quitutes variados e bem condimentados, vinho verde gelado, cerveja, guaraná, tudo a “la voluntè”... Foram oradores principais por essa ocasião o Bordallo e o Duarte que discorreram com agrado. Ambos trajavam bicas de galo, destacando-se no Duarte a corrente com medalhão à antiga portuguesa.

Duas horas da tarde...
Hora da sesta, descanso geral da tropa, todo o mundo dormia, só o Apolônio Fona andava na rua a apanhar instantâneos das coisas invisíveis, mistério... E junto ao trapiche boiava, sobranceira, a linguiça-quilômetro que entusiasmou o Desidério, a ponto de o fazer bater uma chapa na sua Kodak... Oh! Folego.... Oh! Cobra de duas cabeças...

Cinco horas da tarde...
Procissão, alinhando tudo com corretismo... E como o Antonico de lá é um tanto pesado, foi escalado o seguinte quarteto: Marcílio, Lopes, Raydol e Costa Homem para suportarem o andor... A certa altura o Raydol entregou os pontos, que tinha de ir “beber água” na bilheira do Iguacinho.

Oito horas da noite...
Agitação no Largo, vai e vem de turmas, confidências, comentários, leilões, trotes femininos, declarações de momento, abarracamentos, balouços de amor, carrossel... E lá no bar do Colombiano o frevo era do tamanho de um bonde... Destacando-se a banca dos “coronéis casados”... Polcrata animada com as pequenas locais... Ao papouco da cascatinha gelada... Era uma trinca batuta, por fim cantaram a marcha “Segura essa mulher que ela quer fugir”... Faziam o coro o J. S., Dídimo e A. F.

Dez horas da noite...
Já com a luz da lua, fogos e mais fogos, balões e mais balões, tudo sentia um ardor que se acabava... Desmaios prováveis de fim de festa... E rumo da União Esportiva vai em massa compacta aquele batalhão de gente que entra dançando a “A mulher do Regimento”.

Meia noite...
Lua em meio, entusiasmo formidável, bis e mais bis, calor, sede, falta de luz momentânea, bancas e mais bancas, tudo era animado... E ainda vinha chegando gente... Era o Lauro Nunes com as suas amabilidades, mas, confundido com tanta alegria na sua terra, apresentou o Bordallo a um seu camarada, dizendo-o ser o poeta Augusto Lopes, e mais uma vez o Bordallo foi intitulado de beletrista.

14 de junho...
Três horas da manhã...
Hora das despedidas, momento dos choros e das desilusões, hora das tristezas que não pagam dívidas, abraços, beijos... E lá vem a maioria rumo do trapiche, em marcha acelerada, por baixo de um tempo formidável que se aproximava... E foi tal o choro, que o céu, invejando, chorou também, fazendo baixar à terra um forte aguaceiro, impedindo o embarque do Guto e do Bordallo, que ficaram lá enxugando, no rescaldo das fogueiras, a sua roupa.

Quatro da manhã...
Partia a Marilita com a tropa toda que fez Alenquer palpitar de anseios, vibrar de alegria durante algumas horas... E como a lancha vinha com superlotação, andava o comandante Napoleão de farol em riste, qual cavaleiro da lenda, a procurar quem não tinha rede para fazer o oferecimento do camarote. O Marilita era um barco comprido que deu agasalho a muita gente boa, nessa noite do boi preto... Nós tivemos tanta raiva do Dídimo. Oh! Raiva.

Os senhores atingidos pela minha objetiva desculpem se não foram bem fotografados... E às gentis senhoritas peço também desculpas pela má exposição que dei aos meus instantâneos... Mas tudo foi falta de luz, e nada mais.
PHOTO-AMADOR.
Aulopes.


NOTA: Publicado no Jornal de Santarém de 17 de junho de 1933.

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