segunda-feira, 17 de julho de 2017

ARTIGO: No coração da selva paraense, Dom Tiago é um exemplo vivo do espírito missionário da Igreja

Por Gleen D. Kittler

O Bispo acabava de celebrar a missa, eram 4 e meia da manhã, e em seguida, como fazia cada madrugada, descia até o rio para benzer o barco dos pescadores. Um dos homens olhou para a correnteza e disse: “Obrigado por benzer meu bote, Dom Tiago. Sinto-me sempre mais seguro quando penso que sua benção pode salvar a minha vida”.

O Bispo sorriu. “Sua pescaria pode salvar a minha”, disse. “Procure apanhar alguma coisa hoje, sabe? Para a gente ter o que comer”.
Fitou o homem a face do Prelado um instante retribuindo o sorriso. “Está bem, seu Bispo, vou tentar”, disse, “mas se não pescar muita coisa sempre posso contar com um milagre seu”.
“Milagre já é você não afundar nessa casca de noz”, retruca o Bispo. 

Raízes de Confiança
Essa conversa viva é típica de Dom James Conleth Ryan (foto) com o seu povo de Santarém, cidade de 10.000 habitantes, no coração da selva paraense. Nessa familiaridade de trato vai toda a conformidade que permite àquele povo suportar o rigor de sua extrema pobreza. Nela, também, as raízes da confiança na Igreja, que vem, como nunca o fez antes, trazendo aquele povo para perto de Deus.
Sim, antes de Dom James chegar ao Brasil como missionário franciscano, em 1943, raras vezes padre era visto na região. Devido a série escassez de sacerdotes, típica da América Latina, aqueles que conseguiam lá chegar ficavam apenas por pouco tempo, gastando-o em sua maior parte em pregação, especialmente quanto a situação moral. Logo tinham que partir sem poder fazer coisa alguma pelas condições sociais miseráveis que provocavam os problemas morais.
Mas o Bispo Ryan viera para ficar. Além do mais, conhecera de perto, de primeira mão, as dificuldades da vida, tendo nascido e vivido a infância na mais pobre e dura vizinhança de Chicago. Antes, pois, de aprender o idioma, sentira-se no Brasil, como “em sua própria casa”.

Os novos apóstolos
Um dos seus primeiros obstáculos fora o administrador de uma plantação de borracha, que contratava trabalhadores em condições vizinhas da escravidão. Temeroso de que o frade norte-americano pudesse usar o púlpito para despertar os trabalhadores relativamente aos seus direitos, não permitia ele que o religioso entrasse nas plantações. Ousadamente o jovem padre construiu uma capelinha-quarto do outro lado do rio, donde tão fervorosamente pregava a doutrina católica que o Governo do Estado acabou por se interessar e reclamar melhorias.
Isso impressionou profundamente o povo e despertou nele comovida gratidão.

Compartilhando as dificuldades
Sagrado Bispo em 1958, tomou ele posse de uma Diocese do tamanho da França, com apenas 25 sacerdotes. Viajando de canoa ou jipe, fez-se presente em toda parte, levando consigo energia e bem-humorada simplicidade. Perguntado se sabia acender fogo pelo atrito de dois pauzinhos disse: “Sim! Se um deles for um fósforo...”. Ante as caçoadas porque relutasse um pouco em comer carne de macaco, única ao alcance, saiu-se com: “Está bem! Vou fechar os olhos e imaginar que é galinha...”.
Partilhando as dificuldades do seu povo, tornou-se um deles e, como tal, pode leva-los a uma vida melhor. Desenvolveu processos de agricultura e organizou cooperativas.
Abriu clínicas, e orfanatos, e escolas. Começou um Seminário e em cada nova fundação ergueu uma capela, mais de cem já, para que seu povo pudesse ver que o bem lhes era feito pela Igreja e por causa da Igreja. Seu espírito franco e alegre deixa todo mundo à vontade, disposto a discutir qualquer assunto, e assim foi-lhe possível erradicar os problemas morais que antes apenas eram condenados.
Essa mesma franqueza, nas viagens que empreendeu aos Estados Unidos, quanto aos seus pesados encargos econômicos, levou alguns norte-americanos a conjeturar se o Bispo não estava sendo demasiado materialista nos seus esforços missionários, e a sua resposta foi: “Bem, dinheiro não é tudo. Há muita espécie de capital...”.
Enquanto nas Missões houver homens como Dom Tiago, haverá também Igreja.

NOTA: Publicado no Jornal Semana Religiosa de 13 de outubro de 1963.

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