sexta-feira, 21 de julho de 2017

Uma carta de Abel Chermont sobre a Revolta em Óbidos – 1932


Óbidos, 30 de agosto de 1932
Ao chefe de Polícia do Estado do Pará.
É profundamente desolador e revoltante o que se passou aqui. Um aventureiro, cujo nome procurou sempre esconder, ora assinando Alberto Oliveira, ora Pompa, mistificando sargentos e soldados do 4º Grupo, conseguiu arrastá-los à rebelião contra os oficiais, dos quais, para honra do exército, nenhum aderiu ao movimento, que se dizia ter o apoio do general Klinger e de São Paulo, intitulando-se Pompa emissário de Klinger. Desencadeado o movimento, a cidade foi tomada pelos saqueadores. Havia uma só preocupação: requisitar das melhores casas os melhores gêneros. Requisitou-se tudo, que era dividido ali mesmo no balcão da vítima saqueada. Há requisições à mão armada deste gênero:

“Entregue para as forças revolucionárias em operações nesta cidade o seguinte: duas dúzias de loção para cabelo, duas dúzias de pastas para dentes, dezoito meias de seda, cem metros de fazenda à escolha do portador, seis garrafas de whisky, todas as caixas de cerveja existentes nesta casa (textual)”.
Isso afora duzentas latas de manteiga, azeite italiano e todos os demais gêneros imagináveis, além do dinheiro que era extorquido de quantos tinham qualquer quantia. De um comerciante extorquiram, por meio de requisições, a quantia de sessenta mil réis; de outro nove contos. Era questão de ter dinheiro. Sem pejo nem descarga, o dinheiro extorquido era dividido entre Pompa, Lalor e Demócrito Noronha, que sempre ficava com a maior parte. Outras vezes a desfaçatez era maior: o dinheiro era ali mesmo entregue às pessoas dos pseudo-oficiais comissionados por Pompa. A esposa do tenente Cunha foi às vias de fato com a esposa de um cabo, em plena rua, por causa de uma requisição de dinheiro. Da Casa Chocron exigiram os rebeldes 25 urinóis. Não ficava nisso a desmoralização deste movimento, cujo fim único foi o saque à mão armada. Pompa, embriagado, bebendo em todas as tascas, tinha verdadeiras alucinações alcoólicas: “Gritando Pompa que era Rei” (textual). Cenas tais foram inúmeras.
O comércio e as pessoas gradas com quem me tenho avistado verberando os maus constitucionalistas, que se diziam representantes do general Klinger, fazem contraste entre este assalto, este latrocínio, e o movimento idealista de 1924, quando oficiais como Barata, Azamor e Dubois, à frente de suas forças, não fizeram uma requisição que não fosse justificada e paga a dinheiro. E, infelizmente, a sorte de uma população ordeira, haveres de um comércio honesto, a honra das famílias obidenses e segurança deste povo estiveram entregues nas mãos desonestas destes saqueadores. Houve, em tudo isso, um único protesto: foi o da esposa de Lalor que, horrorizada pelo que via, clamou publicamente dirigindo-se a Pompa: “Coronel! Só lamento que meu marido esteja metido nisso, que não é revolução. Isso é saque, é furto, é roubo”. Posso garantir a autenticidade do incidente. O dr. Abdias Arruda, Juiz de Direito, em meio à mashorca [sic], lavrou protesto escrito contra o movimento, suspendendo o funcionamento da justiça à falta de garantias, entregue como esteve a cidade ao saque e à anarquia. Os rebeldes vingaram-se da altivez do Juiz, demitindo-o e nomeando Juiz de Direito ao Demócrito Noronha, que se especializou no saque ao dinheiro do comércio. Isso diz bem o que foi a rebelião de Óbidos. Cordiais Saudações.
Abel Chermont.

NOTA: No ano seguinte, Abel Chermont (foto), seria eleito deputado e posteriormente Senador pelo Estado do Pará. Teve seu mandato caçado a pedido de Getúlio Vargas.

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