quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Um conto sobre o “Motor de Luz” de Alenquer e uma máquina de fazer linguiça – 1925

Alenquer, a interessante princesa do Itacarará, deu à luz!
No canto do comitê, comentava-se o fato, cercando-o dos melhores elogios ao governo alenquerense.
A luz é esplêndida e o maquinismo a última palavra do gênero, basta dizer que são alemães.
Alguns antigos germanófobos torciam o nariz...
O major Oscar, entusiasmado, enumerava as vantagens da caldeira.
Uma caldeira econômica a bessa!
Imaginem que apenas come 15 achas de lenha por hora! E ainda sobram uns gravetozinhos!...

O motor é de tal perfeição que, quando vai rareando o lubrificante no depósito, uma campainha bate: “trim... trilinlim...” chamando a atenção do maquinista, porventura descuidado.
O Sylvio deu um moxóxo [sic] desdenhoso e declarou: – Ora, isso não é nada rapazes, eu já vi coisa melhor e não era alemã, era americana legítima.
E começou: – Quando eu estava em New York, tive ocasião de visitar, por várias vezes, uma fábrica de salsichas e linguiças, a mais perfeita e moderna da América e até do mundo inteiro.
As máquinas, novinhas em folha, rebrilhavam, ao reflexo das fornalhas, os metais prateados e dourados das engrenagens.
Cada peça importante, cada cilindro, cada regulador, tinha uma corneta de metal e vários discos de caucho, iguais aos dos antigos fonógrafos.
E todas as cornetas correspondiam matematicamente às necessidades dos maquinismos.
Quando ia faltando óleo, uma delas gritava: – Olha azeite! E o maquinista apertava um botãozinho e o óleo escorria. Outra gritava: – A pressão vai baixando! E o foguista atirava carvão na goela da fornalha. Outras berravam: – Cuidado com a engrenagem! Aperta o parafuso! E assim por diante...
A máquina de linguiças era como uma perfeita maravilha: metia-se um leitão de um lado e saía lá do outro já transformado em saborosas linguiças, que os ajudantes iam aparando em tabuleiros e enviando à secção de enlatamento.
Um pequeno parafuso graduava o tamanho e a grossura das linguiças à vontade do fabricante e de acordo com as encomendas.
Certa vez assisti a uma peripécia em que vocês talvez não acreditem, mas é a puríssima verdade.
O caso foi assim: veio um sujeito com um porco às costas – por sinal que era um belo capado Larg-Black, gordo e roliço – chegou. Entregou-o ao maquinista e este atirou com o suíno para dentro do aparelho.
Daí a cinco minutos e as linguiças começaram a cair nos tabuleiros, lá do outro lado.
Nisto entra uma inglesa velha gritando: – Ah! Mim estar roubada! Porco ser meu! Mim vai chamar police-man pegar ladron de minha porco!
O maquinista, sereno e fleumático, mostrou-lhe os tabuleiros de linguiças, dizendo-lhe: – Seu porco estar ali. Senhora levar linguiças e non gritar mais!
– No senhor maquiniste, mim querer porco viva e gorda como ladron achou! Non querer linguiças!...
Então o mecânico gritou ao ajudante: – Senhorre ajudante, devolve linguiças pela mesma caminha! E, puxando uma alavanca fez a máquina dar atrás a toda força.
O ajudante despejou o tabuleiro do lado de lá, e daí a poucos momentos o gordo Larg-Black saía por onde tinha entrado, vivo e esperto, causando os seus gemidos as exclamações de alegria da velha inglesa.
E o Sylvio terminou: – Isto é que é máquina, o mais é conversa!

NOTA: Publicado no Jornal A Cidade de 04 de abril de 1925. O autor, usando o pseudônimo de “João Mocorongo” era Paulo Rodrigues dos Santos.


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